A série de medidas do governo Bolsonaro que enfraquecem a Lava Jato
O presidente Jair Bolsonaro causou fortes
reações ao dar a seguinte declaração sobre corrupção em uma cerimônia no Palácio
do Planalto: É um orgulho, é uma satisfação que eu tenho,
dizer a essa imprensa maravilhosa nossa que eu não quero acabar com a Lava Jato.
Eu acabei com a Lava Jato. Porque não tem mais corrupção no governo. Eu sou a Laís Alegretti, da BBC News Brasil,
e neste vídeo eu explico por que a declaração, apesar das ressalvas de que ele não quer
acabar com a Lava jato, é vista por críticos como simbólica, considerando uma série de
medidas tomadas pelo governo Bolsonaro que enfraquecem a maior investigação contra
corrupção da história do Brasil. E o primeiro ponto é Sergio Moro Pra começar do começo, vamos lembrar que
na campanha presidencial em 2018, tanto Bolsonaro quando o candidato do PT, Fernando Haddad,
incluíram o combate à corrupção em suas promessas de campanha. Embora as propostas
fossem diferentes, o apoio à Lava Jato foi considerado o principal ponto em comum dos
concorrentes nesse tópico. E aí tem a eleição, Bolsonaro vence e poucos dias depois anuncia
o então juiz federal Sérgio Moro, o grande símbolo da Lava Jato, como ministro da Justiça
e Segurança Pública de seu governo. Agora, dois anos depois, a gente vê Moro
fora do governo e inclusive reagindo a essa fala de Bolsonaro. Depois da declaração
do presidente, Moro escreveu que as tentativas de acabar com a Lava Jato representam a volta
da corrupção. Como essa relação ficou assim? Moro anunciou
sua saída do governo em abril deste ano, acusando o presidente de tentar interferir
politicamente na Polícia Federal. Na época, Bolsonaro rebateu a fala de Moro
e disse que ele teria condicionado a saída do então diretor da Polícia Federal a uma
nomeação ao STF — acusação que Moro negou logo depois.
O fato é que, menos de dois anos depois da eleição, a saída de Moro enfraqueceu a
retórica de combate à corrupção que ajudou a eleger Jair Bolsonaro.
Vale lembrar aqui também que o outro símbolo da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol,
deixou em setembro a força-tarefa em Curitiba. Ele apresentou motivos pessoais para a saída,
mas a situação foi vista como mais um episódio que enfraqueceu a Lava Jato. É importante
fazer um parêntese aqui pra dizer que uma crítica recorrente à operação é exatamente
o fato de ela ter ficado vinculada a figuras específicas, como Moro e Deltan, porque isso
torna mais fácil enfraquecê-la. O segundo ponto é tentativa de interferência. As tentativas de interferência em órgãos
de controle e investigação, como a Receita Federal, o Coaf (que agora virou Unidade de
Inteligência Financeira) e a Polícia Federal, também preocupam especialistas. O receio
é que a interferência política prejudique o trabalho de órgãos importantes para combater
a corrupção – não só na operação Lava Jato.
Em relação à PF, o clímax ocorreu no episódio que levou à saída de Moro. O Jornal Nacional,
da TV Globo, publicou mensagens de texto trocadas entre Bolsonaro e Moro, nas quais o presidente
defendia que o comando da PF fosse trocado para evitar investigações de aliados. Segundo
Moro, Bolsonaro queria um diretor-geral que lhe passasse informações sobre investigações.
No fim das contas, Moro saiu e Bolsonaro trocou todo o comando da PF em Brasília e no Rio.
Já em relação ao Coaf, o governo editou uma medida provisória que transferiu o órgão
do Ministério da Economia para o Banco Central, e que abriu espaço para indicações políticas.
E o órgão também sofreu interferência de outros poderes. Em 2019, o presidente do
STF, ministro Dias Toffoli, determinou a suspensão de todos os processos judiciais em que dados
bancários de investigados tenham sido compartilhados por órgãos de controle, como o Coaf, sem
autorização prévia do Judiciário. A decisão foi dada em resposta a um pedido do senador
Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Isso ocorreu depois de um relatório do Coaf ter
apontado movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio
na Assembleia Legislativa do Rio. Depois, a decisão de Toffoli foi revertida e a investigação,
retomada. O pesquisador americano Matthew Taylor, da
American University, em Washington (EUA), diz que houve um “enfraquecimento intencional
e politização da fiscalização” em órgãos como Coaf e PF.
Terceiro ponto, escolha do PGR. A escolha de Augusto Aras como procurador-geral
da República foi mais um movimento de Bolsonaro que foi visto como contrário à Lava Jato.
Vale lembrar aqui que uma das atribuições do PGR é exatamente investigar e denunciar
políticos com foro especial, incluindo o presidente da República.
E Bolsonaro decidiu, no ano passado, indicar um nome fora da lista tríplice da eleição
interna da Associação Nacional de Procuradores da República. Foi a primeira vez desde 2003
que um presidente ignorou a lista. Na época, a escolha foi considerada inclusive
uma derrota para Moro, que ainda era ministro e, segundo reportagens da época, tentava
levar a Bolsonaro informações de que Aras não apoiava a Lava Jato.
Para o professor do Departamento de Ciências Políticas da USP Rogério Arantes, a escolha
de Aras fora da lista foi “uma das medidas mais duras que o governo Bolsonaro poderia
ter tomado contra a operação”. Desde então, Aras e a força-tarefa da Lava
Jato vêm numa queda de braço. Em um dos episódios mais recentes em que Aras demonstrou
publicamente insatisfação com a Lava Jato, ele declarou que era necessário “corrigir
rumos” no MPF, de modo que o “lavajatismo” deixe de existir. “Lavajatismo há de passar”,
ele disse. Em setembro, procuradores da força-tarefa
da Lava Jato em São Paulo apresentaram pedido de desligamento coletivo ao PGR. Antes disso,
em junho, a força-tarefa em Curitiba relatou que uma das auxiliares mais próximas de Aras,
a subprocuradora-geral da República Lindora Araújo tentou copiar bancos de dados sigilosos
de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificativa. Na ocasião, a PGR informou
que Lindora foi a Curitiba realizar uma visita de trabalho para obter informações sobre
o atual estágio das investigações e que ela já havia enviado um ofício solicitando
o fornecimento de cópia das bases de dados da Lava-Jato.
E o quarto ponto é a indicação ao Supremo. Por último, o episódio mais recente é a
indicação do desembargador Kassio Nunes Marques, para assumir vaga de ministro no
STF. Ele é visto como peça fundamental para fortalecer o grupo de ministros que em geral
são contrários aos métodos da Operação Lava Jato e defendem a prevalência de uma
interpretação mais literal das garantias dos investigados previstas na Constituição,
como Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
Se for aprovado pelo Senado, entre as muitas atribuições do cargo, o ministro pode ser
fundamental para a absolvição ou redução de penas de políticos.
Antes de terminar, um outro aspecto importante da fala de Bolsonaro é a alegação de que
não há corrupção em seu governo. O fato é que, pra citar o entorno direto
de Bolsonaro, tem o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que foi denunciado pelo
Ministério Público de Minas Gerais sob acusação de envolvimento no esquema de laranjas do
PSL na eleição de 2018. Ele nega irregularidades. Também tem o ministro da Cidadania, Onyx
Lorenzoni, que confessou ter recebido 300 mil reais em caixa 2 com recursos da JBS durante
as campanhas eleitorais em 2012 e 2014. Ele fez acordo com a PGR.
E, na própria família do presidente, dois filhos são investigados pelo Ministério
Público do Rio. O senador Flávio Bolsonaro, por suspeitas de “rachadinha” no âmbito da
Operação Furna da Onça, que aliás é desdobramento da Operação Lava Jato. E o vereador Carlos
Bolsonaro é investigado por suspeita de assessores fantasmas em gabinete. Os dois negam qualquer
irregularidade. Espero que esse vídeo tenha sido útil. Eu
vou deixar aqui embaixo também o link para uma matéria que eu fiz ouvindo vários especialistas
em corrupção, no Brasil e no exterior, sobre o futuro da Lava Jato. Até a próxima!
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Poderá ver o vídeo no youtube Aqui